segunda-feira, 29 de junho de 2009

HEADBANGERS EM AÇÃO:CAMPANHA PRÓ-IRON MAIDEN EM FORTALEZA

CAMPANHA PRÓ-IRON MAIDEN EM FORTALEZA: A NOVA POSTURA DOS FÃS*

José Henrique Ribeiro**

RESUMO:

Este texto trata a respeito da campanha organizada pelos fãs da banda Iron Maiden para trazer a banda para Fortaleza. A metodologia usada, além da revisão de literatura dos Estudos culturais, foi a pesquisa do site da campanha e a repercussão dessa na mídia. Neste sentido, Observaram-se alguns fatos na produção da campanha em relação ao comportamento dos jovens.

PALAVRAS-CHAVE: Artigo. Fãs. Consumo Midiático.

1. INTRODUÇÃO:

§ Outrora os fãs de música eram seres passivos. Esperavam pelo lançamento de um novo produto, seja cd ou show, para efetuar a interação com o ídolo. A outra forma de interação possível era através da recepção de notícias ou fatos onde havia a presença do objeto de adoração: revistas, álbuns de figurinhas etc. Organizado em listas de discussão, clubes e conferências, o fã reclama mais shows, novos episódios da série, a volta de um ator antigo, a entrada de um novo diretor. Nosso problema de estudo será tentar descobrir como os iron-maníacos se mobilizaram para chamar atenção para si. O tema se justifica pela atenção demasiada que a mídia dá à pirataria, omitindo novas formas de relação do consumidor com os produtos midiáticos.

2. TEORIZANDO SOBRE OS FÃS:
§ Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a concepção de fã mudou com o tempo. A palavra “fanático” é originária do latim fanaticus, de fanus, que significa templo, capela. Os sacerdotes eram chamados fanaticus, em especial os da deusa romana Cibele. A Escola de Frankfurt tem um modelo marxista, onde o comportamento do fã seria, de certa forma, algo “patológico”. Nos anos 60, em uma Inglaterra em crescente processo de midiatização, os Estudos Culturais descobriram o idolatria como prática cotidiana, sem demonizar ou sacralizar o fã. Foram os pesquisadores dessa Escola, em seus estudos sobre recepção, que evidenciaram a importância do fã nos estudos sobre a mídia. Na segunda metade dos anos 80, pesquisadores norte-americanos adotavam uma abordagem condescendente, tomando as práticas do fã como uma celebração. Apesar das diferentes abordagens, vários pesquisadores concordam que o idolatria midiática tem semelhanças com a prática religiosa. Edgar Morin chama os ídolos modernos de Novos Olimpianos, que fazem o papel de objeto de culto, substituindo os deuses da mitologia grega.
§ Há uma gradação e uma diferenciação entre os tipos de fãs. Shuker (1999) faz uma diferenciação entre fã, aficcionado e admirador. Segundo Shuker, o admirador aprecia a obra e o artista, guardando uma certa distância. O aficcionado possui um tipo de apreciação mais intelectual, procura conhecer o processo de produção da obra, o contexto histórico. O fã clássico, por sua vez, é definido por sua identificação afetiva com o artigo midiático. Esta divisão, no entanto, não pode ser considerada fixa, pois não se conhece o limite real entre as categorias.
§ A Escola dos Estudos Culturais inovou nas abordagens de estudo dos fenômenos da Comunicação de Massa. Recuperando métodos qualitativos de pesquisa, a observação de campo, criticando a retórica marxista – que atomizava o indivíduo, os Estudos Culturais trouxeram importantes contribuições para a compreensão da idolatria moderna:
a) a comunicação é um processo contínuo, isto é, não termina com a recepção do conteúdo. O receptor continua transformando a mensagem, conversando com os amigos, usando a informação em trabalhos escolares etc;
b) a cultura popular, desprezada pelos frankfurtianos, foi enaltecida pelos pesquisadores de Estudos Culturais ( apesar de sua crítica marxista e de seu projeto político reformador e militante);
c) as práticas de consumo foram colocadas como formadoras de identidade e como fundamentais para a socialização.

3. A BANDA DE HEAVY METAL IRON MAIDEN

§ O Iron Maiden surgiu na Inglaterra, em meados dos anos 70. Na época, o país estava no centro da produção musical. A formação original era composta por Paul Day (vocal), Dave Sullivan (guitarra), Terry Rance (guitarra), Ron Matthews (bateria) e Steve Harris no baixo. Depois disso, a banda teve inúmeras formações. Influenciada por Deep Purple, Yes, Wishbone Ash e Black Sabbath, a banda cria um estilo próprio de Heavy Metal: pesado, porém rápido. Por isso, no começo da carreira foram rotulados de punks. No caso das letras, além de influências medievais e apocalípticas, o Iron Maiden tem músicas e discos inteiros baseados em lendas européias e filmes de ficção científica. Não são conhecidos pelo uso de drogas, e a crítica musical, mesmo aquela que torce o nariz para esse tipo de música, admite o perfeccionismo técnico da banda no palco.
§ O Iron Maiden é um fenômeno só comparável ao gerado pelos Beatles – guardadas as devidas diferenças – e pelos seriados Star Wars e Jornada nas Estrelas. Existem licenças de todos os tipos de produtos com a marca da banda: de tênis a brinquedos. Bruce Dickinson, um dos vocalistas, aproveitou o sucesso do grupo para catapultar sua ( curta ) carreira como escritor. A própria banda, enxergando seu potencial como produto cobiçado por legiões de fãs, lança diversos artigos de áudio e vídeo que a imprensa especializada chama de caça-níqueis: cd’s com entrevistas dos integrantes das bandas, o mesmo cd lançado com capas diferentes etc. O grupo possui fãs fiéis em todo o mundo, que se organizam em clubes, promovem regularmente o Iron Day, conferências, mostras de bandas cover etc. Para citar alguns na América do Sul: Infinite Dreams (Brasil), Scream for Mexico FC, UruMaiden [Uruguai], Chilean Troopers [Chile], MaidenArg [Argentina].

4. ROCK CEARENSE

§ O rock desembarcou no Ceará na década de 50, fazendo sucesso em bailes. Com melodias típicas da época, fazendo covers de conhecidas canções inglesas e norte-americanas, a alta sociedade dançava em clubes como o Náutico, Líbano e Maguary. Iranildo e seu conjunto eram a banda mais atuante da época. Na década seguinte, o destaque eram Os Faraós e Os Belgas. A primeira banda era liderada por Luizinho, que faz sucesso até hoje, e a segunda, pelo guitarrista Júlio Sena. Nos anos 70, destacaram-se a banda de pop rock Posh, e O Peso, único grupo de rock cearense a ter alguma projeção nacional.
§ Os anos 80 testemunharam dois importantes fenômenos. O primeiro foi a radicalização das temáticas e das formas do rock: o punk e o heavy metal se consolidam como formas lúdicas de criticar o sistema, aquele de maneira direta, esse de maneira mais sutil, usando mitos europeus em suas canções. As bandas cearenses, em um contexto pós-ditadura, usaram a música como válvula de escape. O segundo fenômeno foi o encontro de tribos. Antes relegado a classes mais abastadas, o rock oitentista, com seu viés crítico, também chegou aos ouvidos da periferia, maior vítima do “monstro urbano” (Borzacchiello, 2001) que é a metrópole.
§ Os anos 90 viram o surgimento de inúmeras bandas e lojas especializadas. A mídia voltou sua atenção para esse novo público, criando espaços no rádio, na TV e nos jornais. O rock cearense vive os efeitos da globalização: cria comunidades na internet, mistura-se com outras tribos, como os hip-hoppers.

4. A CAMPANHA

§ A campanha, “materializada” em forma de sites, é resultado da união de vários jovens, segundo pesquisa na internet. A primeira manifestação encontrada foi uma comunidade no Orkut, criada em novembro de 2008. A comunidade moderada pelos amigos Charlie Jucá, Rubens PSD, Daniel Camelo, JV, Sarinha, Helton Feijó e Tales Groo, tem mais de 7.000 membros. O blog Campanha Iron Fortaleza 2009 foi criado por Renata I., Pedro Soriano, Antônio Dourado e Tiago Marques. Além do blog, a mobilização gerou uma comunidade no Orkut, que chegou a mais de 6.000 membros na primeira semana, e o apoio de dezenas de comunidades, matérias nos jornais O Povo, Diário do Nordeste, no site especializado em rock pesado Whiplash, além de reportagens na televisão. Até mesmo no site oficial da banda o grupo conseguiu inserir um fórum sobre o assunto.
§ A campanha pela vinda do Iron Maiden a Fortaleza pode ser vista, à distância, como resultado de um comportamento normal da juventude. De perto, vemos que esse comportamento, está adquirindo contornos profissionais, embora nem sempre demonstre maturidade. O manifesto, publicado no blog Campanha Iron Fortaleza 2009, evoca as “políticas públicas para a juventude”, o fato de que “a economia local se insere na global”, para justificar a mobilização. A inserção na mídia, no caso, de um blog, levando em conta as intenções do grupo, necessita de um certo domínio da palavra. Tentando alcançar seu objetivo, o jovem usa o recurso da linguagem, e tenta fazer uma defesa desapaixonada. São citados vários argumentos para o show ser realizado em Fortaleza: a estrutura de shows, a visibilidade que o evento traria.
§ Até onde uma manifestação sofre influências do fator econômico? No site da Campanha, vemos avisos de caravanas de fãs para shows, com preços e horários. No site Motorhead Fortaleza 2009, de autoria de um dos criadores do Campanha, vemos posts com divulgação de shows e venda de ingressos. Essa nova postura nem sempre é pautada pela mídia, mas por uma nova identidade do fã, que se reconhece hoje não apenas como cliente, mas como parte do espetáculo. O contexto da música dita underground contribui para essa postura: os indies, ou independentes, nem se reconhecem como parte do espetáculo oficial, nem querem ser relegados à obscuridade total. Sobrevivem com pequenos shows e venda/troca de fanzines. A negociação social e as relações econômicas acabam se (con) fundindo .
§ A campanha também foi potencializada pelas expectativas de publicidade dos veículos que produziram matérias sobre o assunto. Em 2008, Fortaleza teve vários shows internacionais de rock pesado, como Helloween e Gamma Ray, Tarja Turunen (ex-Nightwish), Destruction, Desaster, Millencolin, The Cult, Nightwish e Offspring, além da famosa banda brasileira Sepultura. Nenhum deles, entretanto, tem a mesma dimensão econômica e simbólica que o Iron Maiden. Também é bom saber que Tales Groo, criador da primeira comunidade, é músico e agitador cultural. É interessante notar, a esse respeito, a ingenuidade do manifesto: ”...juventude esta que... não admite mais ser ignorada pela indústria cultural”.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

§ Michel de Certeau afirma que existe um espaço deixado pelos produtos, onde o consumidor cria os usos que bem entende. Também cria o conceito de táticas para esse uso. Na nossa era, essas táticas seriam a menor distância entre consumidor e produtor, a disponibilidade de dispositivos de reprodução, a comunicação e a organização dos fãs. A campanha pró-Iron é um exemplo dessas táticas. A falha da empreitada pode ter uma razão principal: o interesse pela novidade, que sozinho não gera uma mobilização, apesar da enorme quantidade de visitantes nos sites. No entanto, o impacto na mídia foi notável. Outras mobilizações, no mundo real, não conseguiram tamanho retorno dos fãs, apesar do impacto na mídia. A Associação Cearense do Rock é um exemplo. Será preciso uma investigação maior para conhecer outras facetas de processos desse tipo, como a interação entre as tribos punks e headbangers ( metaleiros) e a participação dos músicos e produtores cearenses de rock.

7. REFERÊNCIAS

HOHLFELDT, Antonio; MARTINO, Luiz C.; FRANÇA, Vera Veiga (org.). Teorias da Comunicação: conceitos, escolas e tendências. São Paulo: Paulinus Editora, 2002.

SHUKER, R. Vocabulário de música pop. São Paulo: Hedra, 1999

SILVA, José Borzacchiello da. Nas trilhas da cidade. Fortaleza: Museu do Ceará; Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará, 2001. (Coleção Outras Histórias).

Iron Maiden em Fortaleza?!.
Jornal O Povo, 20 de novembro de 2008

SITES ( acessados em 09.06.09 ):
CAMPANHA IROM MAIDEN EM FORTALEZA

Blog dos fãs da banda Motorhead, pela ocasião do show em Fortaleza:
SHOW DA BANDA MOTORHEAD EM FORTALEZA

Iron Maiden Brasil Notícias

Fãs fazem campanha para Iron Maiden tocar em Fortaleza - Diário do Nordeste

* Texto elaborado para as aulas de Teorias do Jornalismo
** Estudante de Jornalismo da Fanor – Faculdades Nordeste

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