CIBERCULTURA
(Dez) vantagens da virtualidade: obra e autoria
AUTOR E CRIAÇÃO MUSICAL NA WEB
“Quem Cria o Criador?”
Pierre Bourdieu
Até o início do século XX, as pessoas tinha uma relação experiencial com a música. Tanto nas óperas quanto nas festas de celeiro, podemos ver conseqüências da música no mundo real: as pessoas dançam, sorriem, aplaudem. Os músicos improvisavam, aceitavam sugestões de canções. Vários fatores mudaram radicalmente essa situação: a invenção e a miniaturização do rádio tornou a escuta algo individual. O registro de sons, em discos de cera, cd´s e, finalmente, o mp3, mudou a maneira de se fazer música. Nunca os ouvintes estiveram tão afastados da produção musical- delineando um cenário sombrio previsto na Indústria Cultural de Adorno e Horkheimer. Quem seria o novo criador de música, no mundo virtual? Qual a sua relação com a sua criação? Tentando caracterizar esse autor-usuário, vamos refletir um pouco sobre obra e autoria musical na web.
Primeiro, vamos falar um pouco sobre o fazer musical. Desde o surgimento do homem, tínhamos aquilo que podemos chamar de era virtual. A música está ligada a comemorações religiosas, familiares e nacionais. Nesse contexto, não há diferenciação entre usuário e produtor musical- todos participam do processo. No renascimento houve uma ruptura, que já vinha há algum tempo: os músicos deixam seu lugar de origem para integrar a corte. A música começa a ser sistematizada em uma linguagem própria- a partitura. A formação musical de uma pessoa, nesse novo ambiente, pode levar uma década. Sem querer defender esses dois contextos- a era ritual e o renascimento – temos a primeira desvantagem da criação musical virtual: como apreender uma música que não experimentamos? Baixamos, ouvimos e estamos informados a respeito, mas não experimentamos. A experiência musical moderna está ligada ao imediatismo e às sensações fortes. Como por exemplo, citamos as trilhas sonoras do cinema, a publicidade e as chamadas jornalísticas. O virtual, com suas características recombinantes, vem potencializar essa situação.
Essa recombinação vem a ser nosso segundo ponto. A música antes estava presa ao instrumento. Registrada em um suporte físico, ela se liberta, podendo sofrer diversas intervenções. Bem conhecida é a obra “The Wall”, da banda de rock Pink Floyd, com seus registro de helicópteros e sirenes. Esse fenômeno está intimamente ligado ao desenvolvimento tecnológico. O músico hoje dispõe de equipamentos inimagináveis há 50,60 anos atrás: sampleadores, seqüenciadores, editores de som, sintetizadores. Na internet, a experiência de criação sonora está cada vez mais radical: da mesma maneira que sites como a Wikipedia permitem a criação coletiva de textos, sites como o rifflet.com e o Trashshack.com alteram a forma de criar música. O Trashshack disponibiliza milhares de frases musicais, enviadas pelos usuários, que podem ser remixadas ao infinito.
O terceiro ponto tem a ver com essa opção radical pelo tecnológico. Talvez, na verdade, a opção seja apenas pelo hardware. Comparando com os tempos de outrora: no final do século XVII também havia uma miríade de instrumentos, (embora nem todos pudessem possuir um) – alaúde, orfárion, chitarrone (de cordas), fagote, oboé, cromorno ( de sopro)... eis o hardware. Também tínhamos o software: a notação musical de Guido Darezzo; a Ars Nova, de Phillipe de Vitry, primeira obra sobre técnicas de composição; o horizonte cultural dos músicos, sempre em viagens ou em ambientes freqüentados por artistas de diversos países. A opção atual pelo hardware- sintetizadores etc - reduz drasticamente as opções criativas. Não quero dizer que o problema é a falta de criatividade, mas o culto à modernidade. Por outro lado temos a música clássica, por exemplo, como música erudita, difícil. Por outro lado, depreciamos, ou ignoramos o valor da técnica musical do passado.
Entramos no quarto tópico fazendo um contraponto com o terceiro. A opção pela tecnologia não anula o sentido lúdico do fazer musical. Durante o século XX, a especialização que verificamos nas universidades também chegou às artes em geral. Não há mais artistas como da Vinci, por exemplo, que pitam, escrevem, calculam, constroem. A arte foi contaminada, de um lado pelos temores urbanos- vide dadaísmo, futurismo; do outro lado, pelo foco no processo, deixando a estética – e o público! – de lado. ( como exemplo, as experiências de John Cage, que colocava porcas e parafusos no piano, em busca de novos sons). Criar música original, com uma melodia tradicional, pode ser difícil. Mas a tecnologia recupera parte da experiência musical que citamos na introdução. Se não pudemos criar do nada, podemos, no entanto, samplear, seqüenciar, mixar. Junto com os sites de criação musical coletiva, também já citamos anteriormente, a tecnologia pode não ser uma barreira, mas uma catapulta para a socialização e o conhecimento.
Vários pesquisadores já tentaram definir o que seria um autor/criador: alguém que inova etc. em todas essas definições, há um ponto em comum: o papel do autor é definido por suas relações sociais. Apesar de todos os processos criativos, digamos, individuais, o autor, para ser autor na web, precisa ser validado pelos seus. Então temos um paradoxo: o “fandom”, alternativa à indústria cultural musical, liberta, mas ao mesmo tempo pode aprisionar a pessoa. O myspace, por exemplo, linka conteúdo de artistas para a pagina do fã, esse por sua vez, redefine o artista, através de comentários ou títulos. A lastfm.com é mais radical: não há rótulos fixos, como “rock”, “samba’, “forró”. Os rótulos, ou tagis, são colocados livremente pelos usuários. Será que a autoria deixará de ser a capacidade de inovar para se tornar a capacidade de se adequar?
(Dez) vantagens da virtualidade: obra e autoria
AUTOR E CRIAÇÃO MUSICAL NA WEB
“Quem Cria o Criador?”
Pierre Bourdieu
Até o início do século XX, as pessoas tinha uma relação experiencial com a música. Tanto nas óperas quanto nas festas de celeiro, podemos ver conseqüências da música no mundo real: as pessoas dançam, sorriem, aplaudem. Os músicos improvisavam, aceitavam sugestões de canções. Vários fatores mudaram radicalmente essa situação: a invenção e a miniaturização do rádio tornou a escuta algo individual. O registro de sons, em discos de cera, cd´s e, finalmente, o mp3, mudou a maneira de se fazer música. Nunca os ouvintes estiveram tão afastados da produção musical- delineando um cenário sombrio previsto na Indústria Cultural de Adorno e Horkheimer. Quem seria o novo criador de música, no mundo virtual? Qual a sua relação com a sua criação? Tentando caracterizar esse autor-usuário, vamos refletir um pouco sobre obra e autoria musical na web.
Primeiro, vamos falar um pouco sobre o fazer musical. Desde o surgimento do homem, tínhamos aquilo que podemos chamar de era virtual. A música está ligada a comemorações religiosas, familiares e nacionais. Nesse contexto, não há diferenciação entre usuário e produtor musical- todos participam do processo. No renascimento houve uma ruptura, que já vinha há algum tempo: os músicos deixam seu lugar de origem para integrar a corte. A música começa a ser sistematizada em uma linguagem própria- a partitura. A formação musical de uma pessoa, nesse novo ambiente, pode levar uma década. Sem querer defender esses dois contextos- a era ritual e o renascimento – temos a primeira desvantagem da criação musical virtual: como apreender uma música que não experimentamos? Baixamos, ouvimos e estamos informados a respeito, mas não experimentamos. A experiência musical moderna está ligada ao imediatismo e às sensações fortes. Como por exemplo, citamos as trilhas sonoras do cinema, a publicidade e as chamadas jornalísticas. O virtual, com suas características recombinantes, vem potencializar essa situação.
Essa recombinação vem a ser nosso segundo ponto. A música antes estava presa ao instrumento. Registrada em um suporte físico, ela se liberta, podendo sofrer diversas intervenções. Bem conhecida é a obra “The Wall”, da banda de rock Pink Floyd, com seus registro de helicópteros e sirenes. Esse fenômeno está intimamente ligado ao desenvolvimento tecnológico. O músico hoje dispõe de equipamentos inimagináveis há 50,60 anos atrás: sampleadores, seqüenciadores, editores de som, sintetizadores. Na internet, a experiência de criação sonora está cada vez mais radical: da mesma maneira que sites como a Wikipedia permitem a criação coletiva de textos, sites como o rifflet.com e o Trashshack.com alteram a forma de criar música. O Trashshack disponibiliza milhares de frases musicais, enviadas pelos usuários, que podem ser remixadas ao infinito.
O terceiro ponto tem a ver com essa opção radical pelo tecnológico. Talvez, na verdade, a opção seja apenas pelo hardware. Comparando com os tempos de outrora: no final do século XVII também havia uma miríade de instrumentos, (embora nem todos pudessem possuir um) – alaúde, orfárion, chitarrone (de cordas), fagote, oboé, cromorno ( de sopro)... eis o hardware. Também tínhamos o software: a notação musical de Guido Darezzo; a Ars Nova, de Phillipe de Vitry, primeira obra sobre técnicas de composição; o horizonte cultural dos músicos, sempre em viagens ou em ambientes freqüentados por artistas de diversos países. A opção atual pelo hardware- sintetizadores etc - reduz drasticamente as opções criativas. Não quero dizer que o problema é a falta de criatividade, mas o culto à modernidade. Por outro lado temos a música clássica, por exemplo, como música erudita, difícil. Por outro lado, depreciamos, ou ignoramos o valor da técnica musical do passado.
Entramos no quarto tópico fazendo um contraponto com o terceiro. A opção pela tecnologia não anula o sentido lúdico do fazer musical. Durante o século XX, a especialização que verificamos nas universidades também chegou às artes em geral. Não há mais artistas como da Vinci, por exemplo, que pitam, escrevem, calculam, constroem. A arte foi contaminada, de um lado pelos temores urbanos- vide dadaísmo, futurismo; do outro lado, pelo foco no processo, deixando a estética – e o público! – de lado. ( como exemplo, as experiências de John Cage, que colocava porcas e parafusos no piano, em busca de novos sons). Criar música original, com uma melodia tradicional, pode ser difícil. Mas a tecnologia recupera parte da experiência musical que citamos na introdução. Se não pudemos criar do nada, podemos, no entanto, samplear, seqüenciar, mixar. Junto com os sites de criação musical coletiva, também já citamos anteriormente, a tecnologia pode não ser uma barreira, mas uma catapulta para a socialização e o conhecimento.
Vários pesquisadores já tentaram definir o que seria um autor/criador: alguém que inova etc. em todas essas definições, há um ponto em comum: o papel do autor é definido por suas relações sociais. Apesar de todos os processos criativos, digamos, individuais, o autor, para ser autor na web, precisa ser validado pelos seus. Então temos um paradoxo: o “fandom”, alternativa à indústria cultural musical, liberta, mas ao mesmo tempo pode aprisionar a pessoa. O myspace, por exemplo, linka conteúdo de artistas para a pagina do fã, esse por sua vez, redefine o artista, através de comentários ou títulos. A lastfm.com é mais radical: não há rótulos fixos, como “rock”, “samba’, “forró”. Os rótulos, ou tagis, são colocados livremente pelos usuários. Será que a autoria deixará de ser a capacidade de inovar para se tornar a capacidade de se adequar?
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