quarta-feira, 19 de novembro de 2008

RESENHA: filme MAUÁ - O IMPERADOR E O REI


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MAUÁ - O IMPERADOR E O REI, Brasil, 1999, de Sérgio Rezende

...A corte portuguesa, fugindo às pressas da metrópole, e sem data ou certeza da volta, cria no BRASIL diversas instituições: museus, universidades, uma Casa da Moeda, o Banco do Brasil. Longe de visar o PROGRESSO da nação – qual nação? – a elite lusa apenas instalou o ambiente necessário pra sua própria sobrevivência. E, não cabendo aqui uma história das mentalidades, é evidente que os portugueses não queriam transformar, criar. Como piratas acomodados, contentavam-se em pilhar, isto é, extrair o produto da terra por meio do trabalho escravo. Alguns poucos subprodutos eram manufaturados, tinta da árvore pau-brasil, por exemplo... Os ingleses resolveram os dois problemas: o da mesmice, com novas máquinas e métodos de produção; e o da escravidão, com uma mão-de-obra barata, que se oferecia para trabalhar até 15 horas por dia, graças à pobreza no campo. O FATO é que, apesar das semelhanças – ironia, claro – havia uma batalha ferrenha entre os dois sistemas: o liberal e o estatal, Inglaterra e Portugal. EIS O PANO DE FUNDO de "Mauá, o Imperador e o Rei".

Vários países, em séculos anteriores, já haviam conquistado o Brasil, ou parte dele. Expedições isoladas também são conhecidas. Sem falar da espionagem. A riqueza e a imensidão do Brasil eram divulgadas mundo afora, através de , DIÁRIOS DE PASTORES PROTESTANTES holandeses, DESENHOS de ARTISTAS FRANCESES e relatórios de espiões ingleses. Um país continental, exuberante, cujos governantes pecavam até na simples tarefa da extração. Capitanias abandonadas, apesar de contratos vitalícios, altamente lucrativos. Pior ainda, a corte sequer enviava expedições científicas ou logísticas, para descobrir riquezas, demarcar terras. Após a chegada de Cabral, passam-se quase três décadas até a colonização propriamente dita ter início. Davam-se títulos nobiliárquicos e distribuíam-se feudos a parentes e parceiros político,  EIS O SISTEMA. Mas eis que...

Irineo Evangelista de Sousa era um jovem ambicioso. Aos quinze anos, como gerente do negócio do tio, era funcionário diligente. Aos 21, associou-se a um certo escocês, banqueiro, e com ele aprendeu a identificar oportunidades, a planejar, a especular. O filme não mostra, mas Mauá também trouxe para perto de si, ou pelo menos congregou, numerosos especialistas. Afinal, uma composição de trem , para ser fabricada e posta em andamento, precisa de marceneiros, ferreiros, químicos, geógrafos, desenhistas etc...importados? A maioria, talvez. A história não conta quantos empresários e  JOVENS BRASILEIROS ABRIRAM OS OLHOS por causa do barão. Mas registra quantos tentaram lhe fechar os olhos, com calúnias, traições, conchavos. O peso financeiro e psicológico que Evangelista teve que suportar foi gigantesco.

O filme não entra, nem poderia, em questões antropo-históricas: quem são e como eram os amigos de Mauá? Um homem , brasileiro, do século XIX, patriarca, solitário, devotado aos seus sonhos e atividades. Havia uma rede que sustentou e impulsionou Mauá: a Maçonaria. Irmandade misteriosa, mostrada na película como crendo em um ser superior, defendendo as idéias da liberdade, da democracia e do liberalismo. Pragmáticos, os homens da Maçonaria – eram todos homens – não recorriam a rituais ou palavras mágicas. Agiam por meio de acordos sigilosos, apoio financeiro, divulgação de idéias através de jornais. Acolhem, aconselham e auxiliam o barão em diversos momentos de sua carreira. E desaparecem quando este é processado por dívidas. O único amigo de Irineo é o ex-escravo Valentim. Ainda assim, um amigo fruto de licença poética, representando os ideais defendidos por Mauá: liberdade, trabalho e progresso. Valentim morreu trabalhando, livre, em um cortiço, gueto de sua gente.

Os jornais aparecem quase que acidentalmente no filme. Embora sejam mais lentos do que as más línguas e os órgãos oficiais e particulares, e por vezes tão mitológicos quanto a imaginação popular, são lidos com exaltação, atenção e crédito pelos personagens da estória. Depois de um conturbado período panfletário, os jornais brasileiros foram aos poucos adquirindo nova feição. Prisões, surras e degredo ainda eram uma ameaça constante. Nossos protojornalistas passaram a tratar seus temas com mais cuidado e precisão. O furor antimonarquista deu lugar a análises de sistema de governo estrangeiros, informações financeiras, ”reportagens” sobre manifestações culturais do povo, preocupações com a miséria crescente. A imprensa da época também representava uma maior complexidade da vida social. A incipiente burguesia, vendo o Império fragilizado, passou a se preocupar mais consigo. Surgiram os anúncios, os folhetins, os primeiros textos propondo algo em vez de desconstruindo. Os jornais ganhavam cada dia maior robustez – tanto ideológica quanto financeira, patrocinada pelos interesses que iam aparecendo naquele país rico e estagnado. Interessante é que o filme não mostra o barão se envolvendo com a compra de jornais. Tentava convencer pelo discurso no Senado, pelos projetos e resultados apresentados. O positivismo intuitivo e o dinamismo do barão não atraíam o continuísmo mórbido das elites portuguesas no Brasil.

O ponto alto do filme talvez seja a última conversa do barão com o imperador. Irineo Evangelista de Sousa chegou a possuir mais reservas financeiras do que o Estado brasileiro. Era dono de mineradoras, bancos, metalúrgicas, estaleiros, em vários países. Uma assinatura sua podia arrasar a economia de pequenos reinos, mover exércitos. No entanto, nunca tentou desafiar abertamente o governo português. Pelo contrário, tentou estabelecer parcerias. Ainda que a custo da reputação de Dom Pedro II ( e sua corte ), obrigado a carregar algumas pás de areia durante a inauguração da primeira estrada de ferro do Brasil...Explorou ? Especulou? Sim. Não era um humanista acadêmico, era um homem de negócios. E trouxe, mais que o progresso pretendido, um exemplo. Não acreditar demais no seu senhor, foi o conselho que recebeu do escravo Valentim. Mas Irineo acreditava demais em si mesmo.
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