terça-feira, 27 de dezembro de 2011

CONCEITOS: MASSA, MULTIDÃO, PÚBLICO, AUDIÊNCIA E COMUNIDADE

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nota:trecho da pesquisa orientada pelo Prof. Paulo Pinheiro Júnior. Projeto original orientado pela Profa. Elizabeth Catunda. Avaliado pelas profas. Talita Garcez e Juliana Formiga.


Introdução

Há diversos aspectos que podemos considerar ao estudar a sociedade. Cada um representa uma visão parcial da realidade, serve a objetivos diferentes. Vejamos alguns “filtros” importantes, que resultam em conceitos diversos[1]:


●Categoria: “Conjunto de pessoas que partilham de características comuns, mas que não interagem entre si” (Dias, 2001, p.164). Embora tenham existência real, sua formação surge de um processo mental (Lakatos e Marconi, 1999, p.107), normalmente em pesquisas demográficas. Fatores de categorização importantes: parentesco, faixa etária, sexo, religião, ocupação etc.;

●Estrato social: Diz respeito a oportunidades e recompensas[2], normalmente reconhecidas sob a forma de ganhos financeiros. Estão intimamente ligados às barreiras sociais, que impedem ou dificultam a mobilidade de um a outro estrato. A classe C é um exemplo de estrato social;

●Grupo social: Uma coletividade interativa, com normas, valores e objetivos comuns, de natureza contínua, com estrutura social mais ou menos consolidada, de identidade perceptível pelos de fora (Fichter,1973, p.140 apud Lakatos e Marconi,1999, p.119).

O que importa, aqui, não é agrupar características, mas considerar o comportamento coletivo. Este se refere a uma forma de agir e pensar com uma certa homogeneidade. Dias[3] declara que o comportamento coletivo é “imprevisível, eventual e irracional”. Em geral, ocorre em coletividades desorganizadas. Lakatos e Marconi[4] usam o termo agregados, “uma reunião de pessoas frouxamente aglomeradas, que,apesar da proximidade física, tem um mínimo de comunicação e de relações sociais”. As autoras destacam que o comportamento é coletivo, não social[5]. Esses, e outros conceitos foram aglutinados pela sociologia, mas, historicamente, são contribuições de diversas ciências – particularmente tendo a mídia[6] como fator central. Vamos então aos conceitos, organizados a partir de Dias (2001) e Lakatos & Marconi (1999).

1 Multidão
É um grupo espontâneo, temporário e desorganizado, formado por indivíduos que dividem um sentimento comum. Seus componentes estão próximos fisicamente, mas possuem fracos laços sociais. Sua interação ocorre, em geral, por comunicação não-verbal: gestos, expressões faciais. Lakatos e Marconi (1999, p.112) usam o conceito de “idéia fixa”: “sua atenção (da multidão) focaliza-se sobre uma única coisa”. A idéia fixa pode ser um terremoto ou um vendedor decorando uma vitrine. O aspecto emocional e a força do grupo implicam em uma condição de anonimato aceita ou tomada pelo indivíduo. Essas 3 forças – o anonimato, o poder do grupo, a idéia fixa - podem afrouxar as amarras morais, levando o indivíduo a fazer, na multidão, atos que não realizaria sozinho. Apesar do aspecto impulsivo e espontâneo, a multidão nem sempre é imediata. Podem haver motivos anteriores, frustrações individuais e sociais, que levam à formação da multidão. As formas básicas de multidão, a partir dos autores estudados:


●Multidão em Pânico: gerada por um “perigo comum”[7], que exalta a intensidade dos estímulos entre os indivíduos;

●Multidão Casual, que se reúne para observar um acidente, uma construção;

●Arruaça ou conflito, em manifestações de ruas, conflitos étnicos;

●Turba, multidão momentânea, como pessoas se aglomerando em torno de uma atriz famosa, ou para ver a prisão de um assassino. A Turba pode se transformar em tumulto. Este, no entanto, é hostil e tem motivações anteriores;

●Multidão expressiva (Orgia): Lakatos e Marconi[8] afirmam que sua função é aliviar a tensão, através de festas e rituais como o carnaval. Dias (2001, p.340) acrescenta que esse fenômeno envolve transgressão das normas, e afirma que sua “abordagem é carregada fortemente de uma premissa cultural”, daí o cuidado redobrado ao estudá-la.


2 Massa

Aqui abordaremos o conceito clássico de Massa. Atualmente, podemos dizer que há 2 pensamentos sobre a massa. O primeiro considera múltiplas coletividades em oposição a um aglomerado único, e a existência de pessoas e grupos que não reagem de forma homogênea aos estímulos da mídia, como veremos mais adiante no capítulo sobre audiência. O segundo pensamento moderno sobre a Massa considera essa como o ocaso da Sociedade, atualizando e ampliando as idéias de Frankfurt: “Não há sociedade, há o socius, não há futuro nem ação lógica e sim o buraco negro da massa indiferente” (Herculano, 1996, p.93-106).


O conceito de multidão é próprio da época da Revolução Francesa. As massas surgem no contexto da Revolução Industrial. A urbanização e o surgimento das metrópoles dão nova cara às multidões. Agora elas são permanentes e onipresentes, tornam-se Massa e, segundo Barbero (2001, p.59), “se confundem com um proletariado cuja presença obscena deslustra e entrava o mundo burguês”. Os indivíduos, nessa coletividade, estão isolados, mas não são considerados isoladamente. Barbero[9], parafraseando Gustave Lebon (1980, p.10), afirma que na massa os indivíduos “estão dotados de uma alma coletiva que lhes faz comportarem-se de maneira completamente distinta de como o faria cada indivíduo isoladamente” (grifo meu).A multidão também é propensa à barbárie, segundo Barbero[10].


Ortega y Gasset (2007,p.46) é o pensador que atribui às massas um nível cultural inferior. Ele considera que existem dotes especiais na aristocracia, como “certos prazeres artísticos e luxuosos,ou as funções governamentais e de caráter político relativas aos assuntos públicos”. A filósofa Hannah Arendt, no livro As Origens do Totalitarismo (apud Wagner, 2007, p.118), afirma que massas são pessoas que “não podem ser integradas em nenhuma organização fundada no interesse comum”. A massa, vista teoricamente, é um grupo de indivíduos anônimos, com comportamento homogêneo, de atitudes automatizadas. A coesão da massa é débil, e a interação, mínima.


O que nos interessa neste conceito é sua relação com a comunicação. Assim, para Lakatos e Marconi (1999, p.114-115), massa é “uma coleção abstrata de indivíduos”, “uma pluralidade indiferenciada de receptores” [11]. A massa sofre forte influência dos agentes institucionais[12]. A existência da massa implica em uma elite reduzida, pensante, ativa, governante. Ela é provocada, orientada, por esses formadores de opinião. Não há, ou é mínima, a circulação de informações, o que torna “reduzida a formação da opinião através da discussão” (Lakatos e Marconi, 1999, p.115).


3 Público

Segundo Dias (2001, p.337), “um público passa a existir quando há um assunto social relevante que canaliza a atenção”. Público é um conjunto de pessoas, em geral dispersas geograficamente, que tem um interesse em comum. O público nem sempre atua em conjunto, mas, individualmente, podem tomar decisões homogêneas. O fato de “criar”, “tomar”, “manter” decisões[13], mostra que há um nível de racionalidade no Público que inexiste em outras coletividades.


Embora o autor considere a audiência[14] um tipo de público, o foco geral do texto aponta para o conceito de espaço público, de ambiente político. Segundo Habermas (2003, p. 93), “a esfera pública com atuação política passa a ter o status normativo de um órgão de automediação da sociedade burguesa com um poder estatal que corresponda às suas necessidades”. Embora se refira à burguesia como fundadora e principal ocupante dessa esfera, Habermas considera, em trabalhos mais recentes, que há múltiplas esferas públicas. Mills (2000, p.303-304 apud Habermas, 2003, p.289), define alguns critérios para que haja esse tipo de coletividade:
  • “Virtualmente tantas pessoas expressam opiniões quanto [as] que recebem”;

  • "As comunicações são organizadas de tal modo que há uma chance imediata e efetiva de responder a qualquer opinião expressa em público”;

  • “Opiniões formadas através de tal discussão rapidamente encontram uma saída na ação efetiva, mesmo contra – quando necessário – o sistema dominante de autoridade”;

  • “Instituições autoritárias não penetram o público, que nisto é mais ou menos autônomo em sua operação”.

Dias afirma que “o público pode aceitar líderes [...] mas não lhes confere autoridade legítima para falar em seu nome” (Dias, 2001, p.337). O resultado das discussões e do pensamento do público se configura na opinião pública, que pode ser influenciada através da mídia.


4 Audiência

Audiência é um termo que se refere, genericamente, aos receptores da mensagem. Diz respeito a “leitores, expectadores e usuários” (Rodrigues, 2003, p.97). A audiência moderna, segundo Rodrigues[15], não possui noção de identidade ou regras. Sua composição (os indivíduos que a formam) está sempre se alterando. A interação entre dos membros da audiência entre si e com os emissores das mensagens é mínima.

O conceito de Audiência evoluiu com o tempo. A audiência como a conhecemos hoje surgiu no século XV, junto com a invenção da imprensa. “Um público leitor, esparso e recluso, mas tomado como um conjunto de indivíduos escolhendo um mesmo texto”[16]. A leitura privada é outro fenômeno que acompanha o desenvolvimento da indústria gráfica (Briggs e Burke, 2004, p. 72-74) - e que caracteriza a audiência. No século XIX, a proliferação de veículos impressos diferencia as audiências, segundo faixa etária, sexo, etc[17]. Em 1920, tem início a radiodifusão, que identifica a audiência com líderes políticos[18]. Na mesma época, surge o cinema, “primeira audiência genuína de ‘massas’”[19], e que identifica a audiência consigo mesma[20].

A atitude tem sido um fator essencial nos estudos de audiência e recepção. Nas décadas de 1940 e 1950, sob a égide da passividade dos indivíduos e da forte influência dos media emerge o conceito de audiência de massa. A chamada Escola dos Usos e Gratificações (Araújo, 2001, p.129) considera o que o receptor faz com a mídia, já que o significado da mensagem depende também do contexto em que se dá a recepção. Os Estudos Culturais consideram que as audiências resistem e subvertem as mensagens (Escoteguy, 2001, p.36-37). Atualmente, considera-se que há uma pluralidade de audiências, e que as novas ferramentas tecnológicas de comunicação estão alterando o comportamento dessas.


5 Comunidade

Dias (2001, p.148-149) apresenta uma “lista de características universais da sociedade”, elaborada por Ralph Linton (apud Dressler e Wyllis Jr. 1980). Consideramos que essas características também podem ser aplicadas também à comunidade:
  • A sociedade, em vez do indivíduo, é a unidade principal e que tem significado na luta da nossa espécie pela sobrevivência. Todos os seres humanos vivem como membros de grupos organizados e tem seus destinos indissoluvelmente ligados ao grupo ao qual pertencem. Eles não podem sobreviver aos riscos da infância nem satisfazer às necessidades de adulto sem a ajuda e a cooperação dos demais”;

  • “A sociedade habitualmente perdura muito além do tempo e vida de qualquer membro”;

  • “Embora composta de indivíduos, as sociedades funcionam como entidades próprias”;
A diferença fundamental entre Sociedade e Comunidade, no nosso entender, a partir de Dias (2001) e Lakatos e Marconi (1999), é que a Sociedade é uma “estrutura formada pelos grupos principais” (Fichter, 1973, p.166 apud Lakatos e Marconi,1999, p.358). A comunidade tem um alcance menor, sendo uma “localização geográfica particular”, “um tipo particular de relação social” (os oficiais da reserva), “um sistema social local” (um bairro de imigrantes)[21]. É Tönnies, no entanto, quem nos dá uma distinção mais clara.

Em 1887, Ferdinand Tönnies escreve uma análise sobre seu país, a Alemanha. Tratando de uma realidade local, Tönnies aponta para um horizonte mais amplo. O autor percebe duas formas de sociedade, a Gemeinschaft e a Gesellschaft. (Defleur e Ball-Rokeach , 1993, p.170-173). Na Gemeinschaft, que chamaremos de Comunidade, os vínculos se referem a tradição, parentesco, amizade etc., que geram um “sentimento recíproco” entre as pessoas. No caso da religião, pode não haver laços de sangue ou proximidade geográfica, mas há uma “gemeinschaft da mente”[22].

Na Gesellschaft, que chamaremos de Sociedade, a condição básica das relações sociais é o contrato. No lugar da tradição, dos laços de sangue ou da amizade, um acordo racional, “no qual as duas partes prometem cumprir obrigações específicas uma com a outra ou perder determinadas vantagens se o contrato for violado”[23]. “A falta de laços que verdadeiramente a unem será compensada pela competência e pelo controle”. (Barbero, 2001, p.63). Na Sociedade não há solidariedade. As pessoas agem somente “[...] em troca de uma dádiva ou trabalho equivalente”[24].

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BIBLIOGRAFIA

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NOTAS

[1] Não consideramos aqui o aspecto “instituição”, por este implicar mais em um sistema de regras do que propriamente ao grupo. Normalmente está ligada a um grupo (p.ex., a família), e possui símbolos que a identificam (a bandeira simboliza a instituição nação) (Dias, 2001, p. 239-242).
[2] Dias, 2001, p. 189.
[3] Ibid., p. 336.
[4] Lakatos e Marconi, 1999, p. 110.
[5] Lakatos e Marconi, 1999, p. 111.
[6] Em outros tempos, o termo mídia se referia apenas aos veículos de comunicação. Hoje, ela engloba assessorias de imprensa, ong’s, associações civis etc. , manifestações, produtos.
[7] Lakatos e Marconi, 1999, p. 113.
[8] Ibid., loc. Cit.
[9] Barbero, 2001, p. 59.
[10] Ibid., loc. cit.
[11] Lakatos e Marconi, 1999, p. 117.
[12] Ibid., p. 115.
[13] Dias, 2001, p. 337.
[14] “... o público de um determinado programa de televisão”. Ibid., loc. cit.
[15] Rodrigues, 2003, p. 101.
[16] Ibid., p. 98.
[17] Essa divisão caracterizará, no futuro, a tipologia econômica da audiência, usada em estudos de Marketing e Propaganda.
[18] Buck-Moss, 2000, p.140.
[19] Rodrigues, op. cit., p. 99.
[20] Buck-Moss, op. cit., loc. cit.
[21] Dias, 2001, p. 170.
[22] Defleur e Ball-Rokeach , 1993, p.171.
[23] Defleur e Ball-Rokeach , 1993, p.172.
[24] Ibid., p. 172.

4 comentários:

Anônimo disse...

Excelente texto!

Anônimo disse...

Muito esclarecedor!!!

Anônimo disse...

Muito bom: simples, prático, direto e objetivo.

Unknown disse...

Gostei!!!